leve
© Alípio Padilha / SEE THAT MY GRAVE IS KEPT CLEAN de Adaline Anobile
Fisicamente, a luz não é um estado da matéria, mas um tipo de energia. A luz não ocupa espaço, não tem massa nem volume, é radiação eletromagnética.
Mas, na nossa prática artística e cénica, a luz não é só um campo senão também matéria: matéria de trabalho, matéria de discussão, matéria perceptível, matéria particular que desencadeia linguagem e imaginário. É um corpo de ideias e práticas, um corpo que ocupa os espaços deixados por outros corpos, ligando-os. A luz é matéria relacional por natureza.
Trabalhar com luz significa materializar relações de tempo e espaço.
Gestos que fazem um brilho, um detalhe, um ritmo, uma organização, uma arquitetura, uma paisagem.
A luz cria lugar. Demarca um território e confere-lhe uma duração e qualidade determinadas. Organiza o espaço do palco e possibilita uma situação, como uma vela acesa no centro de uma mesa enquanto conversamos. No campo das artes cénicas, é um canal de visibilidade e sensibilidade, opera na distribuição da atenção e na dramaturgia que se desenvolve entre o espaço e o tempo.
A luz também pode criar um quarto próprio. Um espaço de trabalho do qual nos podemos apropriar, individual e/ou coletivamente, uma zona de criação, pesquisa, autonomia e agenciamento. Ter o seu próprio quarto é a medida mínima do poder fazer, a partir daí sentimo-nos parte dele e sentimo-nos capazes.
matéria leve apresenta-se como uma formação mas também como grupo de estudo e trabalho. Tentaremos encontrar o nosso próprio quarto (individual e colectivo) dentro da iluminação cénica e, de dentro, interrogá-lo.
É um espaço de partilha de ferramentas que permitem a apropriação da disciplina, ao mesmo tempo que procuramos formas de nos tornarmos apropriades à prática e ao contexto em que nos inserimos.
É também um desejo que surge da minha experiência profissional como iluminadora no campo da dança e da performance, e sobretudo face à dificuldade de encontrar pares com quem partilhar um olhar não hegemónico sobre a prática, perspetivas com as quais posso ressoar e levar-me para posições que desconheço. Mas também surge da escuta dos esforços de colegas, performers e coreógrafes, em formar equipas de trabalho a partir de posições transfeministas. Acredito que devemos atender coletivamente aos relatos já generalizados de hostilidade no local de trabalho, muitas vezes carregados de machismo e preconceito social estrutural.
ml está também disponível como espaço de reflexão coletiva sobre o acesso à prática artística profissional. Chama a atenção em como os sistemas de trabalho articulam e distribuem as dimensões não apenas de género, mas também de raça, classe, origem ou deficiência.
Sem pretender dar uma resposta final a nenhum destes problemas que afetam toda a sociedade, procuramos sim dar corpo a uma prática artística crítica e ética. Acredito que recuperar um lugar, implica também oferecer um novo, mais justo, cuidado, espaçoso, atencioso e amável.
Leticia Skrycky